quarta-feira, 16 de julho de 2008
Poema de boas vindas as novas poetisas - longo mas vale a pena ler
Fim de Festa
Pablo Neruda (Cantos Cerimoniais- 1961)
Hoje é o primeiro dia que chove sobre março,
e sobre as andorinhas que dançam na chuva,
e outra vez na mesma mesa esta o mar,
tudo esta como esteve disposto nas ondas,
seguramente assim seguirá sendo.
Seguirá sendo, mas eu, invisível,
alguma vez já não poderei voltar,
com braços e mãos, pés, olhos, entendimento,
enredados na sombra verdadeira.
Naquela reunião tinha tantos convidados
um por um foram regressando para a sombra
e são assim as coisas depois das reuniões,
dispersam-se palavras, bocas e caminhos,
mas até um só lugar, até não ser, de novo
puseram-se a andar os que estavam separados.
Fim de festa... Chove sobre a Islã Negra,
sobre a solidão tumultuosa, sobre a espuma,
o pólo cintilante do sal derrubado,
tudo se deteve menos a luz do mar.
Para onde iremos?, dizem as coisas submersas.
Que sou?, pergunta pela primeira vez a alga,
e uma onda, outra onda, outra onda assim respondem:
nasce e arruína o ritmo que continua:
a verdade é amargo movimento.
Poemas desabitados, entre o céu e outono,
sem pessoas, e sem gastos de transporte,
quero que não tenha ninguém por um momento em meus versos,
e não ver na areia vazia os sinais do homem,
marcas dos pés, papéis mortos, estigmas
do passageiro, e agora
estática névoa, cor de março, delírio
de aves do mar, petréis, pelicanos e pombas
de sal, o infinito
ar frio,
uma vez mais antes de meditar e dormir,
antes de usar o tempo e estendê-lo na noite,
por esta vez a sociedade marítima,
boca a boca com o único mês e agonia
do verão sujo, para ver crescer o cristal,
como sobe a pedra ao inexorável silencio,
como derrama o oceano sem matar sua energia
nós passamos a vida perguntando: quanto?
E vemos os nossos pais com o quanto nos olhos,
na boca, nas mãos, quanto por aquilo,
por isto, quanto pela terra, pelo quilo de pão,
e também pelas esplendidas uvas, pelos sapatos,
Quanto custa, senhor, quanto custa, nos havíamos
vestido de sorrisos aquele dia, sem duvida,
e os pais, com a roupa remendada, inseguros,
entravam num armazém como numa igreja terrível.
Mas, depois, mais longe, foi o mesmo.
Não agrada aos estetas a moral, morreu
quando a poesia ensinava o homem a ser homem
e também deixava nele um fulgor de violeta na alma.
Por isso digo onde e como
e em todas as partes desde o trono ao petróleo
se ensangüentava o mundo perguntando,
quanto?, e o grão de cólera crescia
com o quanto nas silaba de todos os idiomas,
se digo e sigo serei um violino gasto,
um trovador que confundiu a duvida e a verdade.
O dever cru, como é cru o sangue de uma ferida
ou como é aceitável apesar de todo o vento frio recente,
faz de nos soldados, nos faz a voz e o passo
dos guerreiros, mas é com ternura indizível
que nos chamam a mesa, a cadeira, a colher
e em plena guerra ouvimos o gritar das taças.
Mas não há passo para trás! Nós escolhemos,
ninguém pesou nas asas da balança
senão a nossa razão perturbadora
e este caminho se abriu com a nossa luz:
passam os homens sobre o que nós fizemos,
e neste pobre orgulho vige a vida,
e é este o esplendor organizado.
Fim de festa...é tempo das águas,
movem-se os rios subterrâneos do Chile
e perfuram o fundo fino dos vulcões,
atravessam o quartzo e o ouro, carregam silencio,
São grandes águas sagradas que apenas conhece o homem,
Dizemos mar, dizemos Cabo Horn,
Mas este reino não tem mancha humana,
a espécie aqui não pode implantar seus comércios,
seus motores, suas minas, suas bandeiras,
é livre a água e se movimenta só,
move-se e lava, lava,
lava pedras, areia, utensílios, feridos,
não se acaba com o fogo sangrento,
não se converte em pó nem em cinza.
A noite parece a água, lava o céu,
entra nos sonhos como jorro agudo,
a noite
e tenaz, interrompida e estrelada,
só
varrendo os vestígios
de cada dia morto
no alto das insígnias
da estirpe nevada
e abaixo
entre nos
a rede de seus cordéis,sonho e sombra.
De água, de sonho, de verdade nua,
de pedra e sombra
somos ou seremos,
e os notívagos não temos luz,
bebemos noite pura,
e no reparte a pedra nos tocou
do forno quando fomos
tirar o pão
tiramos sombra
e pela vida
fomos
divididos:
nos cortou a noite,
nos educou em metades
e andamos
sem trégua, traspassados
por estrelas.
Os debulhados, os mortos, de rosto terno,
os que amamos, os que brilham
no firmamento, na multidão do silencio,
fizeram tremer a espiga com sua morte,
parecíamos morrer, nos levavam com eles
e ficamos tremendo num fio, sentindo a ameaça,
e assim seguiu a espiga debulhando-se
e o ciclo das vidas continua.
Mas, rapidamente, faltam à mesa
os mais amados mortos, e esperamos,
e não esperamos, assim é a morte,
vai se aproximando à cadeira e logo
lá já não sentia a que nos amamos,
morreu com seu violino o pobre Alberto,
e vai desprender-se o pai até o avô.
Construamos o dia que se rompe,
Não demos corda a cada hora mas
à importante claridade, ao dia,
ao dia que chegou com suas laranjas.
Ao fim de contas de tantos detalhes
não ficara mais que um papel
murcho, mastigado, que rodará na areia
e será devorado por invernos.
Ao fim de tudo não se recorda a folha
do bosque, mas ficam
o olor e o tremor em nossa memória:
daquela selva ainda vivo impregnado,
ainda sussurra em minhas veias a folhagem,
mas já não lembro do dia nem da hora:
os números, os anos são infiéis,
os meses se reúnem num túnel tão largo
que abril e outubro soam como duas pedras loucas,
e numa só canastra juntam-se as maças,
numa só rede a prata do pescado,
enquanto a noite corta com a espada fria
o resplendor do dia que de toda maneira
retornará amanhã, se nos voltarmos.
Espuma branca, março na ilha, vejo
trabalhar onda a onda, quebrar-se na brancura,
transbordar o oceano de sua insaciável taça,
o céu estacionário dividido
por largos lentos vôos de aves sacerdotais,
e chega o amarelo
e muda a cor do mês, crescendo a barba
do outono marinho
e eu me chamo Pablo,
sou o mesmo até agora,
tenho amor e duvidas,
tenho dividas,
e eu tenho o imenso mar com empregados
que movem onda a onda,
tenho tanta intempérie que visito
nações não nascidas:
vou e venho do mar e seus países,
conheço
os idiomas do espinho,
o dente do peixe duro,
o calafrio de toda latitude,
o sangue do coral, a taciturna
noite da baleia,
porque de terra em terra fui avançando
estuários,insolúveis territórios,
e sempre regressei, não tive paz:
que poderia dizer sem minhas raízes?
Que poderia dizer sem tocar a terra?
A quem me dirigia sem a chuva?
E por isso nunca estive onde estive
e não naveguei mais que de regresso
e das catedrais eu não guardei
retrato nem cabelos: eu tratei
de fundar pedra minha em plena mão,
com razão, sem razão, com desvario,
com fúria e com equilíbrio: a toda hora
toquei o território do leão
e a torre mais intranqüila da abelha,
por isso quando vi o que já havia visto
e toquei terra e lodo, pedra e espuma minha,
seres que reconhecem meus passos, minha palavra,
plantas incrustadas que beijavam a minha boca,
disse: “aqui estou”, me desnudei na luz,
deixei cair as minhas mãos no mar,
e quando tudo estava transparente,
embaixo da terra, fiquei tranqüilo.
Não passaem a vida perguntando "quanto?" "Tenham amor e dúvidas" e dêem o valor devido aos nicks post-mortem que empregam.
Bem vindas ao blog.
Pablo Neruda (Cantos Cerimoniais- 1961)
Hoje é o primeiro dia que chove sobre março,
e sobre as andorinhas que dançam na chuva,
e outra vez na mesma mesa esta o mar,
tudo esta como esteve disposto nas ondas,
seguramente assim seguirá sendo.
Seguirá sendo, mas eu, invisível,
alguma vez já não poderei voltar,
com braços e mãos, pés, olhos, entendimento,
enredados na sombra verdadeira.
Naquela reunião tinha tantos convidados
um por um foram regressando para a sombra
e são assim as coisas depois das reuniões,
dispersam-se palavras, bocas e caminhos,
mas até um só lugar, até não ser, de novo
puseram-se a andar os que estavam separados.
Fim de festa... Chove sobre a Islã Negra,
sobre a solidão tumultuosa, sobre a espuma,
o pólo cintilante do sal derrubado,
tudo se deteve menos a luz do mar.
Para onde iremos?, dizem as coisas submersas.
Que sou?, pergunta pela primeira vez a alga,
e uma onda, outra onda, outra onda assim respondem:
nasce e arruína o ritmo que continua:
a verdade é amargo movimento.
Poemas desabitados, entre o céu e outono,
sem pessoas, e sem gastos de transporte,
quero que não tenha ninguém por um momento em meus versos,
e não ver na areia vazia os sinais do homem,
marcas dos pés, papéis mortos, estigmas
do passageiro, e agora
estática névoa, cor de março, delírio
de aves do mar, petréis, pelicanos e pombas
de sal, o infinito
ar frio,
uma vez mais antes de meditar e dormir,
antes de usar o tempo e estendê-lo na noite,
por esta vez a sociedade marítima,
boca a boca com o único mês e agonia
do verão sujo, para ver crescer o cristal,
como sobe a pedra ao inexorável silencio,
como derrama o oceano sem matar sua energia
nós passamos a vida perguntando: quanto?
E vemos os nossos pais com o quanto nos olhos,
na boca, nas mãos, quanto por aquilo,
por isto, quanto pela terra, pelo quilo de pão,
e também pelas esplendidas uvas, pelos sapatos,
Quanto custa, senhor, quanto custa, nos havíamos
vestido de sorrisos aquele dia, sem duvida,
e os pais, com a roupa remendada, inseguros,
entravam num armazém como numa igreja terrível.
Mas, depois, mais longe, foi o mesmo.
Não agrada aos estetas a moral, morreu
quando a poesia ensinava o homem a ser homem
e também deixava nele um fulgor de violeta na alma.
Por isso digo onde e como
e em todas as partes desde o trono ao petróleo
se ensangüentava o mundo perguntando,
quanto?, e o grão de cólera crescia
com o quanto nas silaba de todos os idiomas,
se digo e sigo serei um violino gasto,
um trovador que confundiu a duvida e a verdade.
O dever cru, como é cru o sangue de uma ferida
ou como é aceitável apesar de todo o vento frio recente,
faz de nos soldados, nos faz a voz e o passo
dos guerreiros, mas é com ternura indizível
que nos chamam a mesa, a cadeira, a colher
e em plena guerra ouvimos o gritar das taças.
Mas não há passo para trás! Nós escolhemos,
ninguém pesou nas asas da balança
senão a nossa razão perturbadora
e este caminho se abriu com a nossa luz:
passam os homens sobre o que nós fizemos,
e neste pobre orgulho vige a vida,
e é este o esplendor organizado.
Fim de festa...é tempo das águas,
movem-se os rios subterrâneos do Chile
e perfuram o fundo fino dos vulcões,
atravessam o quartzo e o ouro, carregam silencio,
São grandes águas sagradas que apenas conhece o homem,
Dizemos mar, dizemos Cabo Horn,
Mas este reino não tem mancha humana,
a espécie aqui não pode implantar seus comércios,
seus motores, suas minas, suas bandeiras,
é livre a água e se movimenta só,
move-se e lava, lava,
lava pedras, areia, utensílios, feridos,
não se acaba com o fogo sangrento,
não se converte em pó nem em cinza.
A noite parece a água, lava o céu,
entra nos sonhos como jorro agudo,
a noite
e tenaz, interrompida e estrelada,
só
varrendo os vestígios
de cada dia morto
no alto das insígnias
da estirpe nevada
e abaixo
entre nos
a rede de seus cordéis,sonho e sombra.
De água, de sonho, de verdade nua,
de pedra e sombra
somos ou seremos,
e os notívagos não temos luz,
bebemos noite pura,
e no reparte a pedra nos tocou
do forno quando fomos
tirar o pão
tiramos sombra
e pela vida
fomos
divididos:
nos cortou a noite,
nos educou em metades
e andamos
sem trégua, traspassados
por estrelas.
Os debulhados, os mortos, de rosto terno,
os que amamos, os que brilham
no firmamento, na multidão do silencio,
fizeram tremer a espiga com sua morte,
parecíamos morrer, nos levavam com eles
e ficamos tremendo num fio, sentindo a ameaça,
e assim seguiu a espiga debulhando-se
e o ciclo das vidas continua.
Mas, rapidamente, faltam à mesa
os mais amados mortos, e esperamos,
e não esperamos, assim é a morte,
vai se aproximando à cadeira e logo
lá já não sentia a que nos amamos,
morreu com seu violino o pobre Alberto,
e vai desprender-se o pai até o avô.
Construamos o dia que se rompe,
Não demos corda a cada hora mas
à importante claridade, ao dia,
ao dia que chegou com suas laranjas.
Ao fim de contas de tantos detalhes
não ficara mais que um papel
murcho, mastigado, que rodará na areia
e será devorado por invernos.
Ao fim de tudo não se recorda a folha
do bosque, mas ficam
o olor e o tremor em nossa memória:
daquela selva ainda vivo impregnado,
ainda sussurra em minhas veias a folhagem,
mas já não lembro do dia nem da hora:
os números, os anos são infiéis,
os meses se reúnem num túnel tão largo
que abril e outubro soam como duas pedras loucas,
e numa só canastra juntam-se as maças,
numa só rede a prata do pescado,
enquanto a noite corta com a espada fria
o resplendor do dia que de toda maneira
retornará amanhã, se nos voltarmos.
Espuma branca, março na ilha, vejo
trabalhar onda a onda, quebrar-se na brancura,
transbordar o oceano de sua insaciável taça,
o céu estacionário dividido
por largos lentos vôos de aves sacerdotais,
e chega o amarelo
e muda a cor do mês, crescendo a barba
do outono marinho
e eu me chamo Pablo,
sou o mesmo até agora,
tenho amor e duvidas,
tenho dividas,
e eu tenho o imenso mar com empregados
que movem onda a onda,
tenho tanta intempérie que visito
nações não nascidas:
vou e venho do mar e seus países,
conheço
os idiomas do espinho,
o dente do peixe duro,
o calafrio de toda latitude,
o sangue do coral, a taciturna
noite da baleia,
porque de terra em terra fui avançando
estuários,insolúveis territórios,
e sempre regressei, não tive paz:
que poderia dizer sem minhas raízes?
Que poderia dizer sem tocar a terra?
A quem me dirigia sem a chuva?
E por isso nunca estive onde estive
e não naveguei mais que de regresso
e das catedrais eu não guardei
retrato nem cabelos: eu tratei
de fundar pedra minha em plena mão,
com razão, sem razão, com desvario,
com fúria e com equilíbrio: a toda hora
toquei o território do leão
e a torre mais intranqüila da abelha,
por isso quando vi o que já havia visto
e toquei terra e lodo, pedra e espuma minha,
seres que reconhecem meus passos, minha palavra,
plantas incrustadas que beijavam a minha boca,
disse: “aqui estou”, me desnudei na luz,
deixei cair as minhas mãos no mar,
e quando tudo estava transparente,
embaixo da terra, fiquei tranqüilo.
Não passaem a vida perguntando "quanto?" "Tenham amor e dúvidas" e dêem o valor devido aos nicks post-mortem que empregam.
Bem vindas ao blog.
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4 comentários:
Gostei.. :) E retribuo como melhor sei, um poema de "minha" autoria:
Hora
" Sinto que hoje novamente embarco
Para as grandes aventuras,
Passam no ar palavras obscuras
E o meu desejo canta --- por isso marco
Nos meus sentidos a imagem desta hora.
Sonoro e profundo
Aquele mundo
Que eu sonhara e perdera
Espera
O peso dos meus gestos.
E dormem mil gestos nos meus dedos.
Desligadas dos círculos funestos
Das mentiras alheias,
Finalmente solitárias,
As minhas mãos estão cheias
De expectativa e de segredos
Como os negros arvoredos
Que baloiçam na noite murmurando.
Ao longe por mim oiço chamando
A voz das coisas que eu sei amar.
E de novo caminho para o mar."
Faz jus ao teu nome Sophia, que ja viste tem cotação alta por estes lados do blog...
A ti, dedico-te este poema.
Mar morto, mar meu.
Mar do teu lar, mar do meu mar.
Mar, mar, mar
que não sabe amar.
Leva, tira, enrola
Devolve, liberta e respira.
Por mim.
Por ti.
Por nós.
Mar morto, meu mar.
Não me faças regressar.
Lava a mágoa que se arrasta
no teu fundo.
Leva, enrola e não devolvas.
Liberta-me.
E finalmente faz-me amar.
Quando quiseres dissertar sobre poemas e/ou poetas falecidos (ou não), já sabes, estarei sentada à beira do rio.
Até lá, lerei atenciosamente a ousadia com que escrevem, o que me diverte imenso.
Duas cabeças de cartaz no nosso blog, tou a gostar de ver!!
Continuem assim...
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